A Sociedade Brasileira
Ainda por efeito da influência das doutrinas sociais de cunho materialista surgidas em meados do Século XIX, generalizou-se o uso das análises e explicações exclusivamente técnico-econômicas dos fenômenos sociais. Materialismo usado, atualmente, tanto à direita quanto à esquerda.
Embora os aspectos econômicos da sociedade tenham o seu peso específico, nunca desprezível, somos da opinião que as análises de cunho cultural tem um maior poder explicativo, em especial nas análises de longo prazo. Mais especialmente quando nossos objetos de análise são os povos que se encontram fora do núcleo dinâmico do capitalismo moderno: Europa e Estados Unidos.
Este é precisamente o nosso problema neste item deste trabalho. Por isso começaremos a caracterização da sociedade brasileira por seus traços culturais básicos. Posteriormente passaremos pelos traços econômicos e políticos.
Podemos sintetizar a condição cultural brasileira com uma única expressão: "Fragilidade Cultural". Senão vejamos.
Na formação cultural brasileira distinguem-se duas vertentes principais. Na primeira delas incluímos a "Cultura Negra", de procedência africana, e a "Cultura Índia", autóctone. Na segunda, a "Cultura Européia Latina".
Agrupamos a "Cultura Negra" e a "Cultura Índia" numa mesma vertente pelo fato de se encontrarem num mesmo nível de desenvolvimento: o pré-lógico ou ecológico /R8/. Nestas culturas a problemática central de sobrevivência gira em torno da adaptação ao meio físico. São sociedades sem destino, sem significação (numa acepção estritamente técnica) e sem "projeto". Vivenciam assim um tempo cósmico, a-histórico, circular da revolução dos astros e da recorrência das estações do "ano".
Dada a proeminência da adaptação à natureza, seus deuses são o resultado da absolutização dos próprios fenômenos e forças naturais, onde a fertilidade - tanto a humana quanto a da natureza - ganha um papel de relevo.
Sociedades sem escrita. Sua macro organização não vai além da tribo ou de uma eventual e frágil aliança intertribal. A liberdade individual não é exercida pois a sociedade absorve inteiramente a individualidade. Não há justificativa para a iniciativa individual pois, em última instância, são os seus deuses que lançam os dados do destino. Mais valem as "ações" propiciatórias da fortuna do que ações decorrentes e consequentes de um "projeto".
É uma cultura muito pouco afeita à abstração. Com grande dificuldades de compreensão dos conceitos que não possuem um referente visível. O plano verbal conserva-se muito próximo do plano das coisas, o que facilita sobremaneira a confusão de planos. As dificuldades da vida concreta são transpostas para o plano verbal e verbalmente resolvidas na expectativa de que esta solução se transporte de volta à vida concreta. Para resolver problemas apelam para a magia, trocam nomes, expurgam índices e assim por diante.
A segunda vertente da formação de nossa cultura - a contribuição propriamente ocidental - nos vem de Portugal: a "Cultura Européia Latina" que a muitos parece ser uma mera versão, em contraposição à "Cultura Anglo-Saxônica", de uma só "Cultura Ocidental Cristã".
Em verdade, entretanto, a "Cultura Européia Latina" não passa de mera estratificação de uma cultura de transição que surge da passagem da "Cultura Cristã Medieval" para a "Cultura Ocidental Moderna" ou "Anglo-Saxônica".
Este período de transição tem suas balisas. De um lado, com a imposição do aristotelismo tomista como doutrina exclusiva e oficial da Igreja Romana em meados do século XIII. De outro lado, com a vitória dos liberais burgueses contra o absolutismo real nas revoluções que varreram a Europa nos fins do século XVI. Portugal é uma das nações onde veio dominar a versão aristotélico tomista do cristianismo. Uma das nações onde a revolução liberal perdeu a parada para a realeza aliada à hierarquia religiosa.
Ficou pois como traço fundamental destas estratificações culturais o "sistema" e a "hierarquia". A realidade social são os "papéis" que o sistema define e hierarquiza; que o sistema estrutura: estática e definitivamente.
Nesta cultura uns poucos ousam subtrair-se ao "sistema", mas para, certamente, a ele retornar. Não são inovadores, nem inventores, muito menos contestadores do sistema. São apenas aventureiros. Não saem ao encontro do próprio futuro, o que no íntimo seria pecado mortal contra o sistema que justamente veio para abolir: o futuro. Saem para uma aventura no caos e à barbárie, características do que está fora dos limites do sistema. O que almejam é a reinserção no mesmo sistema, apenas num "papel" de maior relevo e/ou hierarquia. Esta saída temporária do sistema é apenas para dar oportunidade à fortuna para escolhê-lo. No fundo, esta saída é apenas uma ventura propiciatória.
Na cultura do sistema não há lugar para o projeto. O futuro não se faz ou se quer. Ele é resultado do jogo de permutação de Deus. O sistema apenas funciona e nada mais.
A cultura do sistema é uma cultura sem identidade. Sem retrospectiva histórica e, consequentemente, sem prospectiva. Uma cultura que só pode sobreviver numa condição de dependência política e econômica de uma cultura que se assume "projeto", como a "Cultura Ocidental Anglo-Saxônica", como era a Inglaterra. E ela Portugal se acomodou.
Estas duas componentes da formação cultural brasileira são o bastante para caracterizá-la no que ela tem de essencial.
O desnível lógico entre estas culturas - as culturas negra e índia são pré-lógicas e a cultura européia latina é lógico formal - dá ensejo a que se instaure uma dominação culturalfácil e sem riscos porque é uma dominação quase-imperceptível, com base na qual pode-se exercer uma duradoura dominação política e econômica.
É importante notar que não se trata, em absoluto, de qualquer fenômeno de natureza racial, mas tão somente de natureza cultural. Tanto é assim que o que originalmente poder-se-ia denominar cultura negra hoje é cultura do "povão", não importando a origem étnica dos que a assumem. De igual modo, a cultura européia latina tornou-se hoje a cultura da "elite", nela incluindo-se a cultura da classe média, sem distinção racial.
O Brasil não possue uma cultura mas um "empilhado cultural hierarquizado".
Do ponto de vista externo prevalece, como seria natural, o aspecto cultural latino. Aparecemos como uma cultura dependente, sempre em busca dos modelos externos, desvalorizando toda eventual criação cultural interna ou só a valorizando quando previamente aprovada no exterior. Não é necessário dar exemplos pois trata-se de fenômeno corriqueiro, de todos os dias, de todas as horas.
A dominação interna e a dependência externa se realimentam. A elite cultural - que mais ou menos coincide com a elite econômica e com a elite política - na medida que se submete aos modelos externos vê-se compelida a compensar esta submissão reforçando sua dominação interna. E na medida que permanece fácil e pouco onerosa a dominação interna, menos capacidade mobilizatória ela tem para reagir à dominação externa, o que alimenta a estabilidade desta configuração cultural patológica.
O que se pode considerar de verdadeiramente comum na cultura brasileira é um pequeno e pouco complexo conjunto de regras sintáticas e um vocabulário que se situa entre 3.000 e 5.000 palavras. Algo de tão pobre que mais que justifica a expressão correntemente utilizada de "milagre" da integridade nacional.
A partir da Segunda Guerra Mundial vem se introduzindo uma nova componente na delicada estrutura cultural brasileira. Trata-se da penetração da "Cultura Ocidental Anglo-Saxônica", seja através da importação da técnica, seja pela importação de vocábulos, da música, de filmes, de padrões valorativos, etc. Não se deve desconsiderar ainda a larga penetração das confissões protestantes, em especial nas camadas de mais baixa renda.
Com tudo isso não diremos que irá piorar a nossa situação mas tão somente complicar ainda mais a problemática cultural brasileira.
Resumindo, diríamos que a "Fragilidade Cultural Brasileira" decorre do dualismo cultural nacional. Este dualismo facilita a dominação cultural. Esta dominação, por sua vez, se torna a base para os demais modos de dominação: a econômica e a política.
A situação brasileira, sob o prisma econômico, pode ser, sinteticamente, caracterizada pela expressão "Dependência".
Este tem sido um tema exaustivamente estudado por economistas e sociólogos fato que nos dispensa de tecer maiores explicações de ordem geral.
No entanto, se recordarmos as três fases por que passou a economia moderna veremos que nenhuma delas se consumou no Brasil.
Na primeira delas estabeleceu-se a conjugação do processo de acumulação de capital com o processo de geração interna de ganhos de produtividade. Esta conjugação se sustenta numa infra-estrutura educacional básica universalizada e nos centros de excelência técnico- científica. Tal fenômeno social ainda não veio a ocorrer no Brasil, onde há um processo de acumulação de capital porém sem a condição essencial de sua continuidade, que ainda não foi internalizada.
Na segunda fase o sistema moderno se estende à área rural permitindo que o processo de desenvolvimento urbano encontre no interior da nação as condições de sua continuidade em termos de fornecimento de alimentos e matérias primas a custos progressivamente reduzidos. Além disso, esta modernização libera mão de obra do campo a ser incorporada à economia urbana. No Brasil este processo também não se realizou: permanece ainda, em grande escala, o dualismo econômico cidade/campo.
Na terceira fase o Estado assume um papel de coordenador econômico promovendo a estabilidade de curto prazo e o fomento do desenvolvimento tecnológico que a longo prazo viabiliza o funcionamento do processo global de desenvolvimento. No Brasil, só na aparência este processo veio a ocorrer.
O Estado, na verdade, tem um baixo poder de coordenação e é justamente por isso que se vale das empresas estatais. O poder regulador do estado não decorre do número de suas instituições e do volume de seu pessoal, mas sim da outorga de um poder pela sociedade civil, em particular pelos grandes grupos empresariais, o que até hoje não ocorreu no Brasil.
Ademais, a problemática "estatal x privado" não é uma questão objetiva mas sim psicológica. Em essência, o que aí se contrapõe é a perspectiva do interesse coletivo com a do interesse individual. A solução não é menos individual nem menos coletivo, mas sim mais de ambos. É um problema de natureza cultural.
É fundamental que aprendamos a cada vez mais preservar o interesse coletivo sem nada subtrair do espaço do interesse individual e, ao mesmo tempo, que aprendamos a ampliar o espaço da iniciativa individual sem nada subtrair do interesse coletivo.
Quanto mais elevado o "produto" de ambos maior o grau de desenvolvimento cultural de um povo. Com uma metáfora "eletrônica" é possível dizer que o importante é melhorar a "figura de mérito", possibilitando, ao mesmo tempo, maior ganho e maior largura de faixa. E isto é possível, neste caso, com a promoção do desenvolvimento tecnológico propiciatório de ganhos crescentes de produtividade.
Recapitulando: o Brasil não completou nenhuma das três revoluções que marcaram o curso das economias modernas.
Como terá sido então possível alcançar o nível de produção que ora possuímos? Não há outra resposta: chegamos a este nível pelo atrelamento às economias desenvolvidas. Pela aceitação da condição de dependência. Não se caminha de moto próprio. Se é simplesmente arrastado pelo "projeto", pelo desenvolvimento e pelas necessidades de outras nações.
Acrescente-se ainda que a estabilidade desta situação patológica resulta da realimentação que a dependência externa mantém com o dualismo econômico interno: seja social, seja regional, seja ainda aquele de cidade/campo. Uma imagem especular da configuração cultural do país.
O dualismo interno leva a que a economia volte-se para o exterior. No entanto, como dois dos mais importantes fatores de produção da economia moderna - "o capital" e a "tecnologia" - são relativamente caros em relação aos dos países desenvolvidos o único meio de viabilizar a exportação é o aviltamento do custo do trabalho.
A relação de troca nos últimos seis anos cai quase 50% (cinquenta por cento). Tivemos que exportar quase o dobro do que exportávamos no fim da última década para conseguir a mesma receita.
Se atentarmos, ainda, para o fato que o setor exportador valeu-se, em muitos casos, de empréstimos externos, a variação da relação de troca faz com que o juro real (em termos de quantum de mercadorias) destes empréstimos hoje, sem contar com o aumento de taxas nominais de juro, situe-se acima de 30% (trinta por cento) ao ano.
O grave da dívida externa não é o seu montante mas sim o juro real que pagamos por ela, o que exige do Governo uma corajosa postura para enfrentar este problema frente aos nossos credores. Para isso é preciso que ele conte com amplo e sólido apoio da sociedade civil.
Entrementes, não está ainda aí a causa fundamental de nossas dificuldades, mas sim na dependência tecnológica. E sobre isso a sensibilidade política nacional continua a ser quase nenhuma.
Dos cinco elementos estruturais que caracterizam a economia moderna (a iniciativa econômica, o mercado de trabalho, o mercado de bens e serviços, o mercado financeiro e o mercado de conhecimentos), não são poucos em nossa elite dirigente que propõe como solução:
- para a iniciativa econômica: a "joint-venture";
- para o mercado financeiro: a entrada do capital estrangeiro;
- para o mercado de conhecimentos: a aquisição de patentes.
De nacional teríamos apenas o mercado e o trabalho.
Enfim uma proposta que traduz uma atitude em nada diferente das que tiveram os sobas das tribos da África em relação ao seu povo ante os mercadores de escravos europeus do século XVI ao século XIX. Atitude diametralmente oposta a dos mandarins japoneses ante as mesmas pressões: ao invés de venderem os de seu próprio povo, preferiram reformar a escrita e alfabetizá-lo.
A dimensão política da sociedade, como já dissemos, é fundamentalmente tributária de sua dimensão cultural.
A solidez cultural é justamente aquilo que mais contribui em favor da integridade, da unidade, de uma nação, enquanto que o econômico, inexoravelmente, trabalha no sentido de sua fragmentação e de sua diferenciação.
O corolário, quase que imediato, da "fragilidade cultural" da sociedade brasileira é o "primarismo político".
Primarismo que se caracteriza pelo fato de que, deixados à sua sorte, os agentes políticos se estruturam e funcionam como num "jogo de soma negativa". Definem, implícita e inconscientemente, as regras do jogo político de modo tal que, embora alguns possam eventualmente ganhar, a soma total dos ganhos é sempre menor que a soma total das perdas de cada um. Nestas condições o livre jogo de interesses só encontra seu ponto de equilíbrio numa situação em que, coletivamente, ocorre a perda.
Nas sociedades com maior solidez cultural os conflitos não são abolidos. Mas esta solidez cultural leva a que ponto de vista coletivo seja, explícita ou implicitamente, considerado no estabelecimento e no comprometimento com as regras do jogo político. Este comprometimento se traduz na garantia de que, em princípio, todos ganharão: uns mais outros menos. Ou, se a perda é inexorável para alguns, a perda global é minimizada.
Ocorre, entretanto, que as perdas coletivas frequentes e continuadas são intoleráveis quando efetivamente realizadas. Tais perdas leva a todos, senão a maioria, a mais cedo ou mais tarde, a abrirem mão de sua liberdade individual de escolha em proveito de um personagem social que habilmente se apresenta como restaurador da integridade social.
As frequentes intervenções militares no Brasil, como de resto na maioria das nações subdesenvolvidas, não são um mero acidente, mas algo que decorre da própria estrutura social brasileira. Decorre do primarismo político brasileiro, fruto de sua fragilidade cultural.
Na nossa sociedade, o modo como se dá o processo de abertura política, concomitantemente, planta as sementes de um futuro fechamento. Como a nova intervenção de força, evidentemente, não pode dar solução a um problema eminentemente cultural, a configuração fechada, progressivamente, se desgasta abrindo espaço a uma nova abertura. E assim sucessivamente. Este fenômeno foi descrito por Golbery através do seu modelo das "Sístoles e Diástoles".
A representatividade é frequentemente fraudada, sem que a traição da confiança pague qualquer preço. O eleitor brasileiro, em sua grande maioria, não tem a menor compreensão do que seja o compromisso representativo e, praticamente, não tem memória.
No estrato econômico inferior de nossa sociedade, que é aquela onde predomina a componente cultural ecológica ou pré-lógica, a distância que separa a dimensão emocional (analógico) da dimensão cognitiva (simbólico convencional) é mínima. Em consequência se torna extremamente fácil o processo de manipulação ideológica por parte da elite(política, econômica e cultural).
Como contrapartida a esta manipulação ideológica, a nação como um todo se submete facilmente às pressões políticas externas. O interesse nacional é permanentemente alvo de negociação. Se bem que temos notado alguns sinais de mudança, ainda que tenues, neste comportamento.
Desta forma, a estrutura interna reforça a externa e vice-versa, dando-lhes, no conjunto, uma grande estabilidade. E, em tudo e por tudo, podemos caracterizar a sociedade brasileira por um elevado nível de "primarismo" político.
Um segundo traço básico é o total descompromisso entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento cultural que deveria estar sendo promovido pelo político.
A dependência econômica não é sinônimo de estagnação econômica. As necessidades de matéria prima, de produtos semi-elaborados e de mercados suplementares que regulem sua atividade econômica levam a que os países desenvolvidos, de centro, induzam, através do capital e principalmente da tecnologia, um certo grau de desenvolvimento econômico nos países periféricos.
O mesmo fenômeno não ocorre a nível cultural, onde o contacto com o centro não induz qualquer tipo de desenvolvimento. Pelo contrário: produz a desagregação dos já frágeis esquemas interpretativos da realidade e das estruturas de valores das nações periféricas. E a estrutura política brasileira nada faz para reduzir esta desagregação.
O resultado desta situação é um flagrante descompasso entre o desenvolvimento econômico, mesmo induzido, e o desenvolvimento político- cultural.
Esta situação é universalmente válida nos países periféricos e, podemos dizer, se constitui em um de seus traços políticos característicos.
Eventualmente consegue-se algum grau de mobilização social no sentido de superar o mal estar que esta situação provoca. Porém, na grande maioria das vezes, esta mobilização sá vai na direção de se tentar acelerar o desenvolvimento econômico o que, no fundo, só vem agravar o problema.
Se esta caracterização é válida para todas as nações periféricas, aqui no Brasil ela se apresenta com uma característica suplementar que, de certo modo, nos coloca numa situação de excepcionalidade.
Pelo volume dos nossos recursos naturais, pela extensão territorial e pela população relativamente grande o volume global da produção começa a atingir níveis comparáveis e até mesmo superiores aos de alguns países do centro. O Brasil, hoje, é a oitava economia do Ocidente.
Esta convivência da dependência com o gigantismo econômico é o grande paradoxo do Brasil atual.
O Brasil deixou de ser, pelo seu porte, uma nação economicamente sub-desenvolvida. Pela sua dependência tecnológica não é ainda uma nação desenvolvida.
Bem ou mal, mesmo na ausência de um claro projeto nacional, acabamos chegando a uma encruzilhada.
Não se irá muito longe se, do lado da produção, mantivermo-nos:
- em estado de dependência tecnológica;
- no descaso com a formação de recursos humanos de boa qualificação;
- com baixo nível de formação interna de capital;
- com baixa iniciativa empresarial;
- com baixa integração entre os setores público e privado.
No lado da distribuição teremos que rever as estruturas iníquas de distribuição de renda e tirar da marginalidade sócio-econômica grandes parcelas de nossa população.
Já existe uma parte de nossas elites sensíveis a estes problemas. Estão dispostas a promover uma correção estrutural de nossa economia. Infelizmente, na sua grande maioria,estão reduzindo a complexidade deste problema apenas aos aspectos quantitativos da distribuição de renda, que nada mais é que a combinação do velho paternalismo com um certo temor que a situação possa provocar uma reação violenta das parcelas marginalizadas de nossa população.
Deste último perigo, a nosso ver, pouco se precisa temer, pois os meios de dominação cultural são quase que absolutos. É justamente isso que se deveria ser mudada. Dizemos deveria porque, no fundo, o problema apresentado é essencialmente de natureza ética. Mais do que qualquer outra coisa.
A elite nacional deveria "renunciar" ou, pelo menos, "abrandar" os mecanismos de dominação cultural de que hoje se vale - o estrito controle dos meios educacionais e dos meios de comunicação de massa - para permitir que a maioria de nossa população pudesse afluir aos esquemas interpretativos e aos valores culturais de nossa época. Desta forma, a maioria da população poderia, por conta própria, construir a sua própria dignidade e, com consequência, seus próprios meios de subsistência econômica.
Esta é a situação que caracteriza o nosso Brasil como sendo um País na Encruzilhada.
O caminho a ser seguido dependerá, em grande parte, da sensibilidade política da nova geração da elite nacional que, acreditamos, deverá emergir neste período de travessia para o regime democrático.
O termo "projeto" deverá ser aqui tomado numa acepção bastante larga, não implicando que os grupos a quem ele possa ser atribuído tenham, necessariamente, uma clara consciência do mesmo.
O "projeto" como aqui considerado, entretanto, aparece com nitidez a um observador externo capaz de visá-lo de modo oblíquo através dos comportamentos mais ou menos invariantes dos grupos sociais.
Entre uma pluralidade de outros de menor força e consistência, daremos destaque a três grandes "Projetos Sociais" em curso na atual cena brasileira: o modernizador, o pseudo-revolucionário e o conservador.
O que é típico do projeto modernizador é o enfoque fundamentalmente econômico/materialista que dá à problemática brasileira. É uma espécie de resposta ao marxismo dentro dos próprios termos do marxismo. Dado que as explicações são de cunho econômico as propostas de solução também o são.
Existem múltiplas versões do projeto modernizador desde o da cooptação implícita da classe média até o da sedução demagógica do proletariado urbano.
Podemos citar, numa sucessão, o industrialismo de Vargas (51), o desenvolvimentismo de Juscelino (59), o Brasil Potência (69) e a Nova República (86). Uma visão teórica e atual deste projeto modernizador nos é dado pelo professor Jaguaribe com o seu "Brasil 2000" /R6/.
Os sucessivos fracassos, ou melhor, as descontinuidades deste "projeto" contam pouco. Contam pouco pela simples razão que eles são também parte da estratégia do "projeto" conservador. Para este último, o "projeto" modernizador tem o mérito de desviar a atenção e renovar as esperanças da sociedade. As sucessivas versões do "projeto" modernizador tem impedido, desta forma, que a sociedade enverede por caminhos que possam levar efetivamente à compreensão das raízes de sua própria problemática. Compreensão que deixaria a descoberto o "projeto" conservador.
A aceleração do desenvolvimento econômico não se sustenta por muito mais que cinco anos, pois este processo é acompanhado do acirramento dos conflitos distributivos e por um mal estar difuso provocado pela ausência de um processo paralelo de desenvolvimento cultural que forneceria as bases para a recomposição da integridade da nação a nível político.
Este projeto também parte de uma visão de que a problemática brasileira é essencialmente econômica: dependência externa, externa desigualdade na apropriação da renda e da propriedade, etc. No entanto acha que a ação para mudar esta situação deve ter cunho eminentemente político.
Nestas circunstâncias a mobilização política é assumida como a tarefa a ser realizada. No entanto, dadas as condições culturais vigentes na maioria da população - baixo grau de compreensão política, instabilidade emocional, memória curta - uma mobilização consciente é bastante difícil. Esta dificuldade leva a uma concepção elitista da condução do processo social.
A consequência deste fato é que os propugnadores deste "projeto" pseudo-revolucionário partem para uma mobilização popular francamente manipulativa, sem qualquer profundidade e que, se possibilita êxitos a curto prazo, compromete o verdadeiro processo de transformação social, mais profundo e duradouro.
É bastante fácil para os oponentes deste "projeto" cortar a ligação das bases com a vanguarda pseudo-revolucionária, provocando o seu isolamento. Estas vanguardas, uma vez isoladas, descambam, normalmente, para o terrorismo, criando, desta forma, as pré-condições para a sua eliminação.
Aqui se incluem todos os movimentos de esquerda no Brasil. Cumpre destacar que a eles se irá juntar todo o esforço da Igreja da Libertação se esta vier a optar pela pura ação política mobilizadora e não pela ação pastoral educacional. A nosso ver esta pastoral educacional deve ser universal. Deve ser companhia inseparável de todas as outras pastorais por mais angustiantes e dramáticas que estas possam se lhes apresentar.
É aqui que mais impropriamente se aplica a palavra "projeto", o que não exclue, entretanto, a existência de uma clara intenção, de estratégias bem construídas e de uma melhor aplicação destas estratégias.
De todos, é o "projeto" conservador que melhor apreende os fundamentos da problemática social brasileira, o que justifica seus reiterados êxitos.
O peculiar do "projeto" conservador é que ele parte da pressuposição, mesmo que implícita, mesmo que intuitivamente determinada, que a problemática social brasileira é essencialmente cultural e não política ou econômica como pretendem os demais projetos.
Possue uma sólida intuição de que os privilégios econômicos e a facilidade com que consegue defendê-los politicamente se baseia não num predomínio econômico ou político mas sim na dominação cultural que mantém sobre a ampla maioria da população.
Assim sendo, o fundamental para o "projeto" conservador é o desenvolvimento de uma ação cultural.
Esta ação se manifesta, por exemplo, pelo modo que os grupos conservadores manejam os mecanismos de controle social:
Este último mecanismo é o que é mais importante.
- controle rígido das concessões de rádio e de TV;
- controle econômico, direto ou indireto, através das verbas de propaganda, dos meios de comunicação de massa;
- abertura de canais de importação cultural que agridem e enfraquecem as fontes de criação de cultura nacional;
- neutralização da "intelegência" brasileira abrindo-lhes o caminho do "sucesso";
- cultivo das lideranças religiosas tradicionais, tanto cristãs como não cristãs, em especial as de herança africana;
- manutenção de um sistema educacional discriminativo.
Aparentemente, a educação brasileira sempre esteve, se não entregue, pelo menos sujeito a uma bastante grande penetração de pessoas de pensamentos mais à esquerda. E é justamente aí mesmo que o "projeto" conservador se mostra mais perspicaz: ninguém melhor que a "esquerda tradicional" na direção da educação dado que ela não acredita naeducação como instrumento de transformação social e, em consequência, não a usa como tal.
Vale neste ponto citar o caso de um ex-ministro da educação que teve a coragem de afirmar que a cultura era tão importante quanto a educação. Vale dizer, que a problemática educacional era, a rigor, uma problemática essencialmente cultural. Por isso acabou ficando mal situado pois passou a não caber em nenhum dos três "projetos" nacionais. Ele estava mas não era. Acabou saindo.
Já notamos que o "projeto" conservador, por se constituir num "projeto" de muitos poucos e por ser de todos o mais radicalmente excludente, não pode mostrar a sua verdadeira face. Daí ser-lhe da maior utilidade estratégica o "projeto" modernizador. O que parece na "boca de cena" brasileira são as diferentes versões do "projeto" modernizador. As crises brasileiras, no fundo, se resumem nas peripécias de substituição, na "boca de cena", de uma versão desgastada por outra, aparentemente nova, do velho e provado inviável "projeto" modernizador.
É óbvio, pois, que ao final das contas, é sempre o "projeto" conservador que prevalece por trás da sequência espasmódica dos surtos modernizadores. A razão disso, voltamos a enfatizar, é que ele é o único "projeto" que consegue enxergar o que é fundamental na problemática social brasileira.
A base da dominação social é a dominação cultural e desta não se pode abrir mão.
No entanto, de 1964 para cá, um novo personagem entrou em campo. Disposto, ainda que timidamente, a construir um novo "projeto" social: a tecnocracia estatal. Uma aliança tácita entre a tecnoburocracia civil e a militar.
Um "projeto" que se apresentou como modernizador, mas que tinha fortes conotações culturais. "Projeto" que pretendeu vir a ocupar um importante lugar na definição dos destinos nacionais, promovendo as transformações sociais reclamadas pela maioria da população.
Não fora um acúmulo de erros crassos (alguns definitivamente inaceitáveis pela tradição social brasileira) que abalaram as bases morais deste "projeto", ele, muito provavelmente, já estaria em cena, definitivamente. No entanto, com eles, perdeu o passo e o compasso. Ressurgirá?
A Nova República é transição. Para onde não sabemos.
O País na encruzilhada...
Do que vimos nos itens precedentes podemos concluir que a problemática social brasileira é bastante delicada.
Em primeiro lugar, achamos que os grupos sociais que estão animados a promover as transformações sociais requeridas pela maioria de nossa sociedade, na quase totalidade de seus membros, estão impedidos de agir pela sua própria miopia conceitual.
Em segundo lugar, achamos também que os que conseguem ver e compreender a nossa realidade social não estão, na sua grande maioria, interessados em promover qualquer tansformação social ou, pelo menos, as consideram intempestivas.
Em terceiro lugar, o "projeto" da tecnocracia, como dissemos, perdeu o passo e o compasso. Temos alguma dúvida se ele ressurgirá na cena brasileira.
O único fator positivo em toda a situação relatada é a própria conjuntura paradoxal. Conjuntura onde se associam a debilidade estrutural, tanto cultural quanto econômica e política, com um "acidental" gigantismo econômico, construído, na surdina, pelo então emergente "projeto" tecnocrático.
Neste ponto é da maior importância que consideremos a visão prospectiva esboçada no texto "A Sociedade Aberta (Tele)Informatizada", que vem colocar o Brasil ante aperspectiva de uma radical transformação social do mundo Ocidental por força do processo de (tele)informatização sistematizada com seus profundos desdobramentos sócio-culturais e sócio-políticos.
Sem dúvida alguma o Brasil será arrastado neste processo de (tele)informatização. Se nosso mal, a rigor, é tão somente funcionar sem saber para que e nem porque, o processo de (tele)informatização fará com que este mal se agrave ainda mais. Basta lembrar que a essência deste processo é a garantia de um melhor funcionar. Neste caso, funcionaremos ainda melhor, continuando a não saber para que e nem porque.
O que se debate hoje no Brasil é se devemos promover uma (tele)informatização semi-autônoma, com riscos de maiores atrasos, ou mais acelerada, acentuando-se os riscos de uma maior dependência tecnológica. Só que em nenhum dos dois casos se considera a essência da problemática da (tele)informatização.
A escolher, de forma restrita, uma dentre as duas alternativas em discussão melhor seria a primeira, que apenas aumenta os riscos de uma futura dependência, enquanto que a segunda nos dá a certeza desta dependência.
Mas será que devemos ficar restritos a escolher um dentre apenas estes dois caminhos? Novos caminhos podem e devem ser abertos /R12/ /R13/ /R14/ /R15/.
Nas atuais condições brasileiras, nada mais urgente que preservar uma relativa autonomia tecnológica na área da (tele)informática, que sabemos ser ainda insuficiente.
No entanto, a nosso ver, se faz também urgente e necessário um vigoroso esforço complementar de educação. Educação que sirva para evitar que se agrave, ainda mais, o processo de marginalização social interna. Educação para se evitar que se consolide, ainda mais, a moralmente injustificável estrutura de dominação interna.
O esforço do Governo Sarney, na atualidade, situa-se, exclusivamente, no plano econômico - a menos de um ensaio do Ministro Marco Maciel quando na Educação.
Os aspectos ditos sociais dos programas governamentais são propostas de compensação das desigualdades históricas, fruto da marginalidade produtiva ou das estruturas perversas de apropriação de renda. Portanto, um problema, essencialmente, de natureza econômica.
Em verdade, todo o processo que levou à Nova República começou como um problema político - eleições diretas, constituinte, etc. Porém, na medida em que uma facção modernizadora é substituída, com sucesso, por outra, a problemática é automaticamente transladada para o plano econômico. Plano este que comanda, como sempre comandou, toda a problemática política brasileira, que trata apenas das aparências, nunca da essência dos fenômenos sociais brasileiros.
No Brasil, o plano político tem estado permanentemente disponível para que nele possa se processar a inexorável substituição das facções modernizadoras. Ressalvando que é fundamental para o "projeto" conservador que a substituição das facções se dê, pelo menos na aparência, como fruto da ampla ação popular. Com isso se pode reascender a chama da eterna esperança.
O atual esforço governamental parte de uma conjuntura particularmente favorável resultante da conjugação de quatro importantes fatores:
Em suas grandes linhas o "Plano de Estabilização Econômica" - o Plano Cruzado - conjuga uma série de medidas político-econômicas relativamente bem articuladas, onde se pode destacar:
- Baixa da taxa internacional de juros: provocando efeitos favoráveis imediatos no custo do serviço da dívida;
- Baixa no preço do petróleo: provocando efeitos favoráveis na balança comercial do país;
- Relativa reativação da economia internacional, em particular da economia americana, o que possibilitou uma expansão das exportações sem uma excessiva depreciação dos nossos preços, com efeitos favoráveis na balança comercial do país;
- Preços agrícolas internos relativamente elevados em função da artificiosa exploração de uma seca no sul do país; talvez de todos os fatores foi o mais importante para viabilizar um eventual congelamento de preços.
No entanto, embora bem articulada, a estratégia econômica governamental apresenta algumas falhas, dentre as quais merecem ser destacadas:
- A minimização dos efeitos da dívida externa através de um posicionamento mais independente frente aos credores internacionais. Posicionamento este viabilizado, em grande parte, pelos três fatores conjunturais positivos anteriormente apontados. O seu reflexo imediato seria a ampliação da taxa de formação bruta do capital interno, possibilitando a retomada do nível de investimento: tanto os novos quanto os necessários à modernização do parque fabril obsoleto;
- O congelamento dos preços, possibilitado, inclusive, pelo fator conjuntural já mencionado: a eploração da seca providencial;
- A desindexação do mercado financeiro e o desencorajamento das aplicações especulativas, seja por via normativa seja por via fiscal;
- A recomposição dos níveis de emprego possibilitada, diretamente, pela retomada do investimento e, indiretamente, pela ativação da demanda - por si reflexo mediato da retomada dos investimentos - e por uma pequena recomposição salarial real, em especial dos estratos de mais baixa renda. A rápida reativação da oferta para fazer face à expansão da demanda, seria possível pela ocupação da ociosidade então existente na economia;
- A reforma agrária, associada a uma Política de Abastecimento, que obviamente só poderia ter efeitos a médio prazo;
- Os Programas Sociais visando melhorar as condições de vida das camadas mais pobres e carentes da população;
Através de uma sequência de medidas complementares as autoridades econômicas buscaram corrigir as distorções acima mencionadas. Em linhas gerais as principais medidas e as respectivas consequências foram as seguintes:
- Lentidão na reativação dos investimentos, inclusive pela surpresa com que foram colhidos os empresários;
- Super-aquecimento da demanda, pois além dos efeitos previstos - pequena recomposição salarial, melhoria do nível de emprego, reativação dos investimentos - pelo aumento da massa global de salários, veio sobrepor-se o efeito do desvio de recursos, que normalmente se destinavam à poupança, para o consumo, isto sem contar com as eventuais descapitalizações provocadas pela imcompreensão da ilusão da correção monetária;
- Super-aquecimento do Mercado Bursátil em decorrência da supressão da correção monetária e das restrições regulamentares e fiscais à especulação financeira;
- Diferenças de níveis de lucratividade setoriais ou de linhas de produtos muito mais amplas do que teria sido possíveis estimar. Neste ponto se inserem as tarifas dos serviços públicos de telecomunicações que se encontravam, por motivos "políticos", num dos mais baixos valores de sua história;
- Insuficiência de fundos governamentais para financiar os Programas Sociais;
- Desafio ao governo por partes de alguns setores na forma de "lock-out".
Cumpre assinalar que não queremos, em absoluto, criticar o "Plano Cruzado". Pelo contrário, dificilmente encontraremos na história econômica brasileira um conjunto de medidas tão bem,estudadas, fundamentadas e coerentes como este plano. As "falhas" teriam que acontecer pela simples razão de que o sistema econômico brasileiro já alcançou um nível de alta complexidade tal que impossibilita a antecipação de todos os possíveis desdobramentos das medidas tomadas.
- Acelerar a reativação dos investimentos tanto pela via das facilidades creditícias quanto buscando infundir maior confiabilidade à sua política junto ao meio empresarial, enfatizando sua determinação em não se afastar dela em horizonte previsível. O mais grave, entretanto, é que não se percebeu a necessidade de se pré-acelerar os investimentos do próprio governo que detém a responsabilidade de prover grande parte da infra-estrutura econômica - energia, comunicações, transporte - que, num futuro mais breve do que se possa pensar irá entravar o processo de retomada do desenvolvimento. Os efeitos desses retardos e das limitações de investimento no Setor de Telecomunicações já se fazem sentir de maneira dramática no triângulo Rio-São Paulo-Brasília;
- Desaquecer a demanda através de incentivos à poupança, de exortações ao acerto da política governamental e da imposição de empréstimos compulsórios sobre o consumo de combustível, veículos e viagem ao exterior. O incentivo à poupança limitou-se a pequenas alterações no mecanismo da caderneta de poupança e a incentivos às aplicações de maior prazo em detrimento das de curto prazo. Nesta questão do desaquecimento da demanda as medidas foram manifestamente insuficientes para afetar a demanda efetivas;
- O super-aquecimneto do mercado bursátil foi enfrentado com medidas de ordem normativa que limitaram as aplicações dos fundos de pensão e dos clube de investimento.Aqui teria sido muito mais preferível que fosse ampliada a oferta de papéis novos, inclusive das empresas estatais. Esta oferta teria facilitado a recomposição da estrutura de capitais das estatais e, como consequência. teria permitido um melhor e mais expedito equacionamento da estrutura de financiamento dos novos investimentos em infra-estrutura requeridos pelo proceso de retomada de desenvolvimento. Ademais, a intervenção do governo no mercado bursátil, além de quebrar um princípio antes mesmo que ele se consolidasse - o da intervenção governamental nas forças de mercado, desviou recursos para a especulação no mercado paralelo do "dolar", o que por sua vez suscitou a intervenção policial com resultados altamente discutíveis. Diga-se de passagem que com a falta de opção de aplicações financeiras, que não seja simplesmente a caderneta de poupança, favorece o aquecimento da demanda. A aplicação em "direitos de consumo" ou em "estoques" passa a ser uma aplicação das mais rentáveis;
- Os níveis de lucratividade excessivamente baixos tem sido contornados com a isenção total ou parcial de impostos que, se suficiente e não generalizado, é, por certo, o melhor caminho;
- A insuficiência de fundos para os programas sociais foi enfrentado indiretamente com a criação do fundo de desenvolvimento que dará ensejo a um remanejamento interno de recursos de modo a poder atender àquelas necessidades. No entanto ainda permanece alguma dúvida sobre a suficiência global desses recursos;
- O desafio aberto de alguns setores através do "lock-out". A resposta do governo foi a importação dos bens sonegados. Porém não seria difícil perceber que os autores do "lock-out" não se intimidariam com esta ação governamental. A clara contestação à esta política governamental faria aumentar o número de adeptos desse "lock-out" o que viria a inviabilizar a resposta governamental via importações. Ademais, como ficaria a posição do governo frente aos movimentos grevistas se estes, ante as eventuais pressões governamentais, surgissem a importação de bancários franceses, de metalúrgicos alemães e assim por diante? Isonomia de tratamento, alegariam. O fato das autoridades econômicas não terem dado resposta pronta e radical ao "lock-out" faz pressupor que não tiveram condições políticas para tal, pois o preço de não fazê-lo é a generalização da contestação ao "Plano Cruzado". Muito provavelmente os que não deram o seu apoio para esta resposta radical ao "lock-out" já devem estar preparando a nova facção modernizadora que virá substituir a atual, desta vez apelando à mobilização política da classe média através dos mecanismos de sempre;
O que queremos assinalar é que, muito possivelmente, as condições políticas que sustentaram a aplicação do "Plano Cruzado" já estejam se dissociando. Desta forma as naturais correções de rumo já não estariam encontrando o mesmo respaldo político. Já não poderiam ser feitas com a profundidade e a autoridade requeridas.
A rigor, é a nível político que se poderá localizar a causa de um possível fracasso do "Plano Cruzado". Aparentemente, como sempre, as forças políticas brasileiras estão agindo dentro da monótona configuração de um jogo de "soma negativa", em que todos irão perder.
Somos de parecer que muito em breve o "Plano Cruzado" irá sofrer uma dramática revisão. Talvez até mesmo antes das eleições de 15 de novembro, independentemente dos reflexos que irão provocar nos resultados eleitorais. Este parecer é emitido em função da:
Toda a questão se prende ao fato de que se tal revisão poderá ou não ser postergada para depois das eleições de novembro. Se realizadas antes, as consequências políticas podem se bastante profundas.
- Impossibilidade de conter os movimentos de "lock-out" que estão se generalizando com extrema rapidez;
- Impossibilidade de conter as reinvidicações salariais, que, em parte, já são efeitos dos movimentos de "lock-out" e, doutra parte, serão a causa do recrudescimento do "lock-out", já agora, em muitos setores, sendo justificável pela elevação dos custos além dos preços tabelados;
- Rápida deteriorização da balança comercial, cujo saldo mensal poderá baixar, rapidamente, para menos de 700 milhões de dólares;
- Elevação da taxa de juros interna trazendo dificuldades para a rolagem da dívida pública e, como decorrência, para a execução do orçamento monetário;
- Elevação da taxa de câmbio no mercado paralelo com efeitos negativos, mais ou menos dissimulados, no saldo da balança comercial: sub-faturamento das exportações e sobre-preço nas importações.
Nas circunstâncias atuais, em grandes traços, são duas as alternativas que descortinamos num horizonte bem próximo, ambas pintadas com alguma radicalidade; quais sejam:
- Guinada de 180 graus ou a volta à ortodoxia com:
- Corte do orçamento público, atingindo principalmente os investimentos governamentais o que determinará a reversão do processo de retomada do desenvolvimento em curto prazo;
- Redução do crédito;
- Maxi-desvalorização do cruzado de 30 a 50%;
- Aumento dos combustíveis de 30 a 50%;
- Aumento das tarifas de energia elétrica e dos serviços públicos de telecomunicações na mesma ordem de grandeza que os demais aumentos;
- Manutenção da orientação básica do "Plano Cruzado" com forte correção de rumos, com a equipe econômica assumindo o aumento do risco político, principalmente com:
- Tabelamento dos juros bancários;
- Taxação dos Ganhos Patrimoniais e/ou aumento das taxas de imposto de renda;
- Limitação das Reinvidicações Salariais;
- Correção artificiosa da taxa de câmbio;
- Ação radical contra o "lock-out", inclusive através das restrições ao crédito e das devassas fiscais. Quanto ao confisco, achamos pouco provável que venha a ocorrer, a não ser para "fins de demonstração" da autoridade governamental;
- Correção de custos via fiscal e expedientes que tais;
- Forçamento de um acordo de médio prazo com os credores internacionais, se possível com a redução do "spread";
- Dependendo do grau de percepção de médio prazo das autoridades econômicas: ativação seletiva dos investimentos governamentais nas áreas de energia elétrica, telecomunicações e transporte. Se essa percepção não houver, tais investimentos só se farão quando os problemas de infra-estrutura já tiverem alcançado tal gravidade que seus efeitos paralizantes sobre o crescimento econômico serão intoleráveis.
Haryel Mendes da Paixão 1º Colegial
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